quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Memórias tristes de um jornalista (parte III)

Faz tempo que não escrevo sobre minhas matérias, comecei a reler algumas e percebi que não eram alegres, me fez pensar que na época que me formei queria sempre dá noticias bons, falar de coisas animadoras, me enganei. Hoje, recebi um e-mail de um amigo do Rio de Janeiro, ele me fez reler as matérias, o filho dele, dependente químico, me concedeu uma entrevista quando fazia tratamento para largar o vício, tentei puxar na memória, porém não me lembrei da data, tem coisas que fazemos questão de esquecer. Mas me lembro de um relato triste, de uma pessoa que podia ter tudo, aliás, encontrei com Gustavo Ruis, no dia 17 de agosto de 2009, na frente de uma igreja. Ao lembrar-me da data, todo aquele dia veio na minha cabeça, vocês não podem imaginar, porém é como um flash back. Havia um misto de dor e esperança, um sentimento que jamais tinha sentindo, queria abraçá-lo é dizer segue em frente você irá conseguir. Não fiz nada, apenas escutei o relato, achei que o melhor a fazer naquele momento era contar sua história. 

A vergonha e a luta para viver longe da sombra 
A vergonha faz a pessoa se esconder na sombra.
Com um misto de vergonha e desconfiança, Gustavo Ruis, 25 anos, conversou ponderadamente com a equipe de reportagem. Apesar de não ser evangélico, ele nos recebeu em frente a uma Igreja Evangélica. Ex-usuário de droga, diz se sentir bem dentro do templo. Longe das drogas há dois anos, Ruis luta todos os dias para se manter “limpo”, pois toda noite sonha que está consumindo drogas. Para se manter sóbrio, ele mantém uma rotina rígida só sair de casa para trabalhar, para ir às reuniões de autoajuda e à igreja, onde, segundo ele, não sente vergonha do passado, apenas é mais um pecador. O inferno de Gustavo com as drogas começou na adolescência, quando ele tinha 15 anos. No início usava maconha com os amigos de rua, apenas nos fim de semana e nas festas que frequentava. “Era só curtição mesmo, muita bagunça, todo mundo usava, eu só não queria ficar de fora. Tanto que na época o meu pai descobriu, porque eu achava tão normal que nem escondia; ele não falou muita coisa, só pediu para eu não abusar no consumo”, conta o rapaz. Mas o que era apenas uma curtição se tornou algo diário. Gustavo passou a fumar mais de cinco cigarros de maconha por dia. “Eu não via nenhum problema, não me atrapalhava em nada, tanto que passei no vestibular, comecei a cursar faculdade de Direito no Rio, aos 18 anos”, descreve Ruis. Na faculdade, ele potencializou o consumo, foi nessa época que conheceu a cocaína. Segundo ele, era muito fácil encontrar o entorpecente dentro ou fora da universidade. “Passei meu primeiro período todo cheirando cocaína, era uma loucura. E para quem era usuário não tinha como fugir, os caras ofereciam dentro do campus”, descreve Gustavo, acrescentando que tem vergonha dessa fase da vida. Com cocaína ele começa a ter perdas e conhecer os efeitos colaterais da dependência química. Em um ano perdeu emprego, amigos, namorada e vendeu o carro para pagar dívidas com o tráfico. Gustavo conta que uma vez subiu a favela da Rocinha para comprar droga, acabou discutindo no local e tomou uma surra, em consequência ficou urinando sangue por uma semana. Com vergonha da família, Gustavo não voltou para a casa dos pais, continuou no Rio, morando num barraco com outros viciados. Como não tinha dinheiro para a cocaína, começou a usar crack. Nessa fase andava como mendigo nas ruas e uma vez assaltou um carro num semáforo. “Foi o fundo do poço, a arma disparou, quase matei o motorista, nossa!, fiquei paralisado e um guarda municipal acabou me prendendo. Foi na cadeia que meus pais me reencontraram, após dois anos e meio. Troquei a pena por um tratamento em uma clínica”, diz Ruis com lágrimas nos olhos. Ele está sóbrio há dois anos, voltou para a Barra Mansa (interior do Rio de Janeiro, onde os pais moram), mas por vergonha foi morar num distrito do município, longe da família e dos amigos de infância. “Lá onde moro ninguém me conhece, ninguém sabe o sofrimento que causei a todos ao meu redor, nem meu sobrenome verdadeiro eu uso. É melhor assim, tenho medo de ter uma recaída, sei que me transformei em uma pessoa melhor, mas viver sóbrio e como acordar todo dia de ressaca”, finaliza Gustavo, entrando com pressa na igreja. 

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Em dezembro de 2010, Ruis sumiu do distrito onde morava, os parentes lhe procuraram por todo estado do Rio. O rapaz que tinha tudo para ser brilhante foi encontrado morto, quase um ano depois, no dia 2 de novembro de 2011, Feriado de Finados. 

Trechos do e-mail enviado pelo pai de Ruis. 
“.....não tenho ninguém para repartir minha dor, todos acham que tenho culpa nisso tudo, também acho isso, ao encontrar o Gú naquele estado foi como morrer é continuar vivo para ser punido. Tiago ele estava num buraco, em uma cidade aqui pertinho, ele estava tão perto de casa eu poderia salva-lo, o Corpo de Bombeiros encontrou seu corpo já em avançado estado de composição, na carteira dele tinha um retrato de nós dois com meu telefone atrás.....mas eu o reconheci na hora, o rosto dele ainda era o do meu menino....provável causa da morte? Overdose, pois não havia sinais de violência pelo corpo......Você me disse um dia, que a melhor forma de um jornalista ajudar é contar a história de um ex-dependente, para servir de exemplo para as pessoas e também para as outras gerações, não sei se ajudou, mas por onde passar continue a falar do Gú, assim ele viverá......” 

Por Tiago Rodrigues, um jornalista que se sente impotente.

Um comentário:

  1. É, meu amigo quanta responsabiidade. Tomara seu trabalho no CDI consiga te ajudar de alguma forma nessa missão. Em nossas comunidades existem muitos e muitos Gustavos, acredite!!!

    Abs, Rochelana

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